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quarta-feira, dezembro 29, 2010

A arte de perder - Elisabeth Bishop



A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério. Perca um pouquinho a cada dia.
Aceite, austero, A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente Da viagem não feita.
Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe.
Ah! E nem quero Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas.
E um império Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles.
Mas não é nada sério.
– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada.
Pois é evidente que a arte de perder não chega a ser mistério por muito que pareça (Escreve!) muito sério.

Por não estarem distraídos

"Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.
Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles.
Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.
Como eles admiravam estarem juntos!
Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos."

Clarice Lispector

Distribuir belezas


Exatos cinco anos me separam da última postagem em meu Blog CONTOS DE TODO MUNDO. Nesse tempo coisas aconteceram. Comprei meu apartamento, perdi meu pai, terminei minha faculdade, fui jurado em festival de teatro, participei de outros importantes como ator, escrevi projetos culturais que foram contemplados, fechei ciclos da minha vida, iniciei novos ciclos, conheci três paises do velho mundo, celebrei a vida de várias maneiras, reuni amigos em minha casa, amei, fui amado, bebi, fumei, arrumei tempo para não fazer nada, assisti filmes, vi shows de artistas que gosto, li coisas, lecionei artes, sorri, chorei e contei, contei e contei histórias.
Quando pensei em criar esse blog, tinha em mente compartilhar experiências vivenciadas na arte de contar; fosse por mim ou apreciadas por outros.
No COLE (2003) - Congresso de Leitura, que acontece na UNICAMP há cada dois anos, tive a oportunidade de ouvir a palestra do Bartolomeu Campos de Queirós. Aquele foi um ano privilegiado. Nesse mesmo congresso assisti: Bartolomeu, Marina Colasanti (que adoro) e Rubem Alves que sempre fui fã. Mas Bartolomeu com sua simplicidade me conquistou naquela manhã. Ao falar da importância da literatura infantil ele citava um acidente radioativo ocorrido em meados do fim da década de 80 em Goiânia. Catadores de papelão encontraram em um hospital desativado uma cápsula de um aparelho de radioterapia que irresponsávelmente foi deixada no local. Entendendo-se tratar de sucata, o equipamento foi desmontado e repassado para terceiros, gerando um rastro de contaminação, o qual afetou seriamente a saúde de centenas de pessoas. O césio 137, era como um sal de cozinha, mas quando colocado em ambientes escuros emitia um brilho azulado. Era tão bonito que as pessoas colocaram em potes, passaram no corpo, deram de presente aos seus familiares, amigos e demais pessoas que amavam não imaginando o problema que estava por vir. Brilhantemente o palestrante fecha essa história trágica dizendo: "Beleza tem dessas propriedades. Não dá pra guardar para a gente. Temos que sair por ai distribuindo". 
Toda vez que conto histórias lembro dessa frase, toda vez que tenho contato com algo que me transmite alegria também, cada dia que entrei em sala de aula, estou com alguém que amo, criando coisas, exercendo minha profissão é dela que lembro e tudo passa a ter um outro sentido. O passar dos anos me fizeram dar importância ao doar e doar-se ao outro.
Contar histórias para mim é isso: trocar energias, plantar sementes, estampar sorrisos... distribuir belezas que não podem ser guardadas! Tenho um novo blog: http://otamanhodascoisas.blogspot.com, e convido os leitores do Contos de Todo Mundo conhecerem a série AS MULHERES QUE NUNCA TIVE PELO MEU MELHOR AMIGO.  Grande abraço a todos (as).